Semiotica - A Desocupação da Comunidade Jardim Nova Esperança


Introdução
A semiótica social, que também pode ser denominada sócio semiótica, procura investigar práticas humanas do “fazer significar” em meios sociais e culturais específicos. Visa-se a partir disso explicar a criação de significados com a prática de não somente um indivíduo dentro da sociedade, mas de toda a sociedade em que este indivíduo está inserido. Segundo Saussure, a semiótica social “é a ciência da vida dos sinais em sociedade’’. Por se tratar de uma ciência que também avalia e considera os atos humanos, faz-se uso de diversos artefatos sociais para que a análise e o processo de significação ocorram de maneira clara e objetiva, e neste trabalho, focaremos nas relações sociais que indivíduos tem acerca de um patrimônio histórico e cultural da cidade de São José dos Campos, bem como a influência deste na sociedade Joseense. Este estudo preza a relação social que pessoas do centro de São José dos Campos, e até mesmo de outros bairros, tem com relação ao Banhado, priorizando algumas ferramentas da semiótica para o desenvolvimento do trabalho. São elas:
1.      A relação passado x presente deste local e a presença (o que se manteve);
2.      As verdades relativas sobre este mesmo local.
3.      As vozes da globalização agindo no contexto social



Desenvolvimento
O Banhado atualmente é um dos principais cartões postais de São José dos Campos, e segundo o G1, em 2012 foi criado o Parque Natural Municipal do Banhado, que transformou a concha em área de proteção ambiental. Ainda segundo o G1 essa “concha tem 5,1 milhões de metros quadrados, o equivalente à uma área de 470 campos de futebol. Uma das principais curiosidades é que antes da construção das represas de Santa Branca e Paraibuna, a área alagava em períodos de chuva, banhando a área central da cidade - por isso o nome”.
Em São José dos Campos, como na maioria das cidades de grande e médio porte, há problemas sociais alarmantes e o Banhado sofre com um desses: a problemática habitacional. A área central, recebe grande parte dos indivíduos que migram até a cidade e o que acontece é que essa área central tem um alto custo de vida devido à grande especulação imobiliária do lote urbano, o que faz com que uma parcela da população menos favorecida financeiramente se veja obrigada a ocupar áreas degradadas e com baixo valor comercial ou até mesmo áreas de proteção ambiental, que é o que começou a acontecer com o Banhado a partir do ano de 1931.
O Banhado teve seus primeiros moradores que focavam na produção agrícola (até então focada na cultura do arroz, para a produção de outros gêneros, como: batata, mandioca, banana, tomate, alface, couve, etc.). Hoje, a população joseense nomeia depreciativamente o bairro como: favela do Banhado, mas pouco se conhece sobre as origens rurais deste bairro que se formou a mais de 80 anos. A “favela” do Banhado, tem nome e identidade própria: Jardim Nova Esperança.

Comunidade Jardim Nova Esperança - Região Central de São José dos Campos

Apesar da ocupação do Banhado e de todas as grandes mudanças ao longo do tempo, uma boa parte da área de conservação ainda tem sido mantida por órgãos responsáveis e isso podemos analisar semioticamente como presença no local.
Tratando das vozes de globalização, a mídia, seja tradicional ou a digital, ajuda na propagação de notícias relevantes. Em matéria do jornal digital da região do Vale do Paraíba, O VALE, no começo do ano de 2019, uma matéria contendo um depoimento do então prefeito de São José do Campos, Felício Ramuth, do PSDB, foi veiculada. Nela, o prefeito disse: "Nós entramos com uma ação para oferecer novas condições de vida para os moradores. Espero que exista sensibilidade social para ver que ali a condição é insalubre, insegura. A gente espera que a Justiça entenda que a gente quer libertar aquelas pessoas". Vale salientar que, mesmo essa matéria sendo de uma reportagem postada na internet, a citação do prefeito foi feita em uma entrevista à uma rádio, o que nos mostra também que, mesmo as mais antigas formas de comunicação, como rádio ou jornal impresso, ainda têm força como mídia e influência na voz global.


Desocupação da Comunidade Jardim Nova Esperança
Dados de pesquisa feitas pela Universidade de Taubaté apontam que 75% da população Joseense é a favor da desocupação da Comunidade Jardim Nova Esperança, popularmente conhecida como Banhado. Isso se deve a diversos fatores, sejam eles sociais ou políticos. Contudo, parcela significativa dos moradores do Banhado são contra a desocupação, visto que os maiores atingidos nesse caso serão eles mesmos. Mesmo com propostas da Prefeitura de São José dos Campos para realocação dos moradores, menos da metade das famílias moradoras da região eram favoráveis as propostas da Prefeitura.

Os argumentos utilizados pela prefeitura para a possível realocação das famílias moradoras da comunidade é de que a área é de risco, além dos problemas sociais devido à marginalização dos moradores do Banhado, principalmente o tráfico de entorpecentes.
O resultado de ¾ de aprovação da pesquisa, apesar de ser relativamente alta, não é tão parcial, visto que os entrevistados na ocasião são comerciantes da região central e que são afetados financeiramente e comercialmente. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que está em defesa dos moradores que são contra desapropriação, em nota disse: “O que está em jogo é a dignidade humana. A regularização do bairro é uma questão de direito e Justiça, independente de opinião”, afirmação feita pelo defensor Jairo Salvador.
Apesar disso, a prefeitura disse que a mudança é positiva, já que a desapropriação seria feita para a criação de um parque, e que os moradores seriam realocados para moradias com melhores condições sócias, assim como auxílios providos pelo governo da cidade.
Pela aferição de dados e informações, há de se afirmar que aqueles que são favoráveis a desocupação não vive a realidade dos mesmo que vivem na comunidade do Jardim Nova Esperança, principalmente pela questão social presente. Porém, não se pode negar os efeitos que a marginalização traz negativamente pra sociedade.
Há algum tempo a prefeitura de São José dos Campos cria medidas para desocupar o Jardim Nova Esperança, vulgarmente conhecido como "Favela do Banhado". Primeira no município, a ocupação teve início em 1931, influenciada pelo momento de desestruturação agrária da década de 30 que, dada a incipiente industrialização da região, atraiu fluxos migratórios de trabalhadores rurais para São José dos Campos. Próxima dos seus 90 anos de existência e, apesar da ausência de muitos direitos constituídos do estado ao cidadão pelo Estado, a comunidade acumula histórias e afetos que são defendidos por seus moradores.
Podemos verificar o carinho que os moradores têm pelo bairro no poema a seguir, com uma breve análise logo após:

Meu amigo tão prezado
Se achegue pra escutar
A história do Banhado
Eu agora vou contar.

Este nosso povoado
Repleto de gente fina
Começou iluminado
Pela luz da lamparina.

Sofremos igual ao nordeste
Enchendo o balde lá na bica
Amigo pra nois a Sabesp
Era só pra gente rica.

A Dona Tina, a Dona Emília
O Seu Davi, Seu Zé, Seu João
São as primeiras famílias
Que chegaram nesse chão.

Meu berço foi uma caixinha
Eu era um pobre neném
Comparo a nossa casinha
Ao presépio de Belém.

Recordo que de manhazinha
Logo depois de mamar
No colo da mamãezinha
Eu olhava o trem passar.

Debaixo do pé de limão
Já um pouco crescidinho
Num velho papel de pão
Fiz o primeiro versinho.

Sempre que o Padre João
Descia para nos visitar
Eu beijava-lhe a mão
E começava a o cobrar
Padre não quero carrinho
Nem bolinha pra chutar
Eu queria um tercinho
Me ensine a rezar.

No comecinho de Oitenta
Adoro muito relembrar
Já deixando a chupeta,
Pulei muito a cantar.

Veio a luz, veio a água
Deu-se a grande promessa
O Seu Maluf e o Bevilacqua,
Fez a gente fazer festa.

Foram lutas e agruras,
Para o bairro melhorar
Agora tem a prefeitura
Nos mandando se mudar
Sou pecador, não sou Jesus
Mas desejo redimir
Dou a vida numa cruz,
Pro Banhado não sair.

 Zé Mauricio Babau - Poeta cordelista, nascido no Banhado (BANHADO..., 2015).

Essa poesia característica do povo nordestino, também conhecida popularmente como “repente”, representa exatamente as raízes do povo que saiu de sua terra a fim de procurar prosperidade num lugar novo. Nessa simples poesia, Zé Mauricio traz características de ambas as realidades, seja do nordeste brasileiro quanto da realidade de quem vive no Banhado, nas condições sociais condizentes de um local marginalizado. A conquista por saneamento e água potável provida pelo Estado, a energia elétrica, bens e direitos conquistados pelos moradores do Jardim Nova Esperança estão presentes em sua métrica e ritmo, tal como a fé desse povo sofrido. Aplicando o princípio básico de oposição, já no final do texto, Zé Maurício fala sobre a luta pra conseguir luz e água, e Maluf e Bevilacqua fizeram a festa do povo, melhorando as condições, e que, anos depois, a prefeitura veio a fim de acabar com essa alegria que o povo lutou tanto para conseguir.
Vale lembrar que, desde o início da ocupação, os moradores do Banhado alinharam-se com políticos para a conquista de seus direitos, sendo defendidos pelo Partido dos Trabalhadores até que o mesmo assumisse a prefeitura e passasse a defender as ideias (lê-se "ganância econômica") dos antigos governos. Em 2014 iniciaram as reuniões entre administradores do partido e famílias do bairro, contando com jovens militantes, para discutir opções de moradias, sendo que, nessas reuniões, uma tensão grande vinha de ambas as partes.
Em setembro do mesmo ano, cinco propostas foram enviadas às famílias que residem no local, sendo elas: a desapropriação e indenização dos imóveis documentados; indenização baseada em laudo para quem não tem documentação do imóvel; inserção em programa habitacional; compra assistida e pagamento de auxílio aluguel. Apenas 134 famílias das 460 que habitavam a área na época aceitaram a proposta.
Os motivos da luta pela permanência da ocupação são muitos: proximidade a pontos de interesse para seus habitantes, como órgãos públicos e empregos; preocupação com o pagamento de nova residência; a possibilidade de plantio, etc.
 Moradora do Banhado há 12 anos e desempregada, quando as propostas foram feitas pela Prefeitura, Cassilda Fernanda disse: “Eles fizeram cinco propostas. Em uma delas receberíamos uma indenização de R$ 96 mil, mas onde compramos uma casa com esse valor? Aqui eu tenho uma casa grande. Disseram que ela está em uma área de risco, mas eu não acredito. Eu não acho justo sair daqui para ir para qualquer lugar".
Revelando a baixa proposta feita pela prefeitura para a desocupação de terra, oferecendo um valor que impossibilita a compra de qualquer imóvel, além de não levar em consideração o valor afetivo que muitos dos moradores do bairro têm pelo mesmo, habitando-o durante anos. Em entrevista, Maria Aparecida Abreu, que morava, já em 2014, no Jardim Nova Esperança por 30 anos, declarou ameaças feitas pela assistente social: “a assistente disse que, se eu ficar por último, terei que sair de qualquer jeito. E completou: [...] Eles [os representantes da prefeitura] ofereceram um apartamento e eu tenho plantação e animais na minha chácara. Eu não posso morar em apartamento”.
No ano de 2018, novas e fortes ofensivas foram feitas pela prefeitura contra as famílias do Jardim Nova Esperança, agora sob governo no Partido da Social Democracia Brasileira.
Em entrevista, o líder comunitário da região, Davi Morais, 67, fez os seguintes comentários: "Nós não vamos ter nossa liberdade privada. Aqui nós plantamos, temos a nossa história. A prefeitura não quer pobre no centro da cidade. Existem pessoas que saíram do Banhado e hoje retornam para a comunidade porque não conseguem pagar o condomínio nas casas que a prefeitura cedeu. Isso aqui não é uma terra invadida, aqui não é área de risco, vamos resistir até o final, eu só saio daqui morto”. E, em outra abordagem, completa: “Temos um esgoto a céu aberto, calamidade pública. As casas são demolidas e os próprios moradores que fazem a limpeza do local"
Davi Morais - líder comunitário da Favela do Banhado
. Realçando o descaso político com a comunidade e sua falsa ajuda com a mesma. A farsa é novamente revelada, como se já fosse óbvio o bastante, nas palavras de Elaine Lopes da Silva, que passou sua vida inteira no banhado: “A prefeitura espalhou folhetos dizendo que nós podemos escolher onde morar, e a nossa escolha já está feita, queremos morar no Banhado, lutando por regularização. O valor oferecido para a saída das casas é uma farsa, não nos dá garantia alguma"
Completamos, então, com um trecho dito por Davi, que sintetiza a luta dos moradores do Banhado que tentam defender suas histórias, costumes, liberdade entre outras coisas, todas elas desrespeitadas por quem mais devia apoiar e fortalecer seu povo: o governo. "É nossa história, amamos esse local, preservamos, cuidados. Já tenho minha casa aqui, por que tenho que sair para viver de aluguel? Tudo o que tenho está aqui".



Conclusão
Considerando todo o material analisado, e levando em consideração o que a semiótica social nos revela sobre o “fazer significar” em sociedade, entendemos porque a desapropriação de uma área que, pela parte da classe média e burguesa da sociedade apoia a remoção de mais de 400 famílias e desapropriação de suas casas e de seus lares que já estão ali há quase um século. Os interesses dessa parcela, que corresponde à análise da pesquisa parcial, mostram que os interesses são políticos e por medo da parcela que vive à margem dessa sociedade.
Contudo, considerando o afeto, as condições dessas famílias que tem na Comunidade Jardim Nova Esperança uma forma de abrigar-se e de sustento, visto que muitas sobrevivem do plantio que fazem em seus terrenos, e toda a história que envolvem suas vidas, não há como concordar com esse tipo de política higienista para atender interesses de camadas sociais que não entendem o contexto social e econômico daqueles que vivem nessas condições. Também consideramos o papel da mídia digital como influenciadora e propagadora de notícias, desempenhando uma função social de extrema e vital importância na luta por direitos.
Então, podemos concluir que, utilizando o conhecimento da semiótica social, conseguimos entender os significados de ambas as partes de forma parcial e compreender os motivos dessa luta por um direito fundamental que os moradores travam contra a prefeitura da cidade de São José dos Campos que é apoiada pela sociedade burguesa.


Referências




Grupo formado por:
Lucas Felipe Alves
Larissa Cortez
Matheus Nunes
Stefani Andraus
Gabriel Henrique

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